Finalmente tive tempo para assistir Mudbound: Lágrimas sobre o Mississipi e posso dizer que comecei o filme com uma percepção e terminei com outra completamente diferente. Terminei de assistir e fiquei com dores físicas e psicológicas, sentindo a necessidade de discutir tudo o que havia acontecido ali com o mundo inteiro.
Mudbound: Lágrimas sobre o Mississipi é baseado no livro de Hillary Jordan e conta a história de duas famílias, uma negra e outra branca. Laura, Henry McAllan, seu pai e duas crianças mudam-se para o Mississipi após o ‘patriarca’ comprar uma fazenda que era seu sonho, nesta fazenda vivem os Jackson, a família negra que é responsável pelo trabalho pesado de colheita e plantio para o dono da fazenda.
A tensão entre as duas famílias é constante e sempre evidenciada pelo racismo e a exigência de servidão que os brancos impõe sobre a família negra. O pai de henry, deixa claro diversas vezes que pretende manter seus privilégios brancos sobre a família de Hap Jackson (Rob Morgan). Enquanto vimos o racismo e o preconceito entre os mais velhos, percebemos o desenrolar de uma amizade entre Jamie (irmão de Henry) e Ronsel Jackson, que compartilham traumas da guerra.
A terra quase infértil e dura da fazenda recebe os veteranos da guerra que ao saírem do Mississipi se deparam com outras realidades raciais e ao voltarem se reencontram com a crueldade do sistema político e cultural do estado.

Com produção Netflix, o filme é dirigido por Dee Rees (Pariah) e conta com Mary J. Blige (I Can Do Bad All by Myself), Jason Mitchell (Straight Outta Compton), Rob Morgan (Demolidor), Garrett Hedlund (Tron: o Legado), Jonathan Banks (Breaking Bad) e Carey Mulligan (O Grande Gatsby) no elenco.

O filme aborda uma série de temas tão grande, que é impossível terminar de assistir e não querer discutir sobre o que foi visto, assim como é praticamente impossível definir a temática central do filme A luta de classes, os traumas e consequências da guerra, o aparecimento da KKK (Ku Klux Klan), a violência racial e do campo entre outros temas que são muito bem construídos.
A importância de cada personagem para a trama é deixado bem claro, quando a narração é alternada entre eles durante todo o filme. Não há um protagonista ou personagem principal, quando vimos que cada um deles é importante para o desenrolar da história.

Além da segregação no Mississipi é possível observar a maneira como as mulheres são tratadas neste ambiente naquela época em que ser solteira era um problema e fazer um paralelo com as disparidades que nós mulheres ainda enfrentamos nos dias atuais.
Vale ressaltar que o estado do Mississipi negou-se a assinar o texto que abolia o fim da escravidão nos EUA em 1865. O Congresso americano aprovou a lei naquele ano, porém cada um dos 36 estados também deveria aprova-la individualmente, o Mississipi não assinou. A lei só foi assinada pelo estado em 1995, porém os trâmites legais não foram concluídos, o que aconteceu de fato em 2013.
Em 2001, o estado do Mississipi também aprovou após plebicito a manutenção da bandeira confederada como seu símbolo. “Com cerca de 94% dos votos apurados, quase 66% dos eleitores decidiram pela manutenção da bandeira antiga e 34% votaram por sua substituição.” BBC Brasil. O estado é o último a manter a bandeira que foi usada durante a Guerra no século XIX. A história refere-se à bandeira como símbolo de escravidão e segregação racial, enquanto grupos radicais de extrema direita afirmam que tem a bandeira como uma marca do orgulho sulista. O estado além de ser um dos mais pobres dos EUA, foi um exemplo de violência racial nos EUA.

O filme consegue retratar estas violências na relação entre brancos e negros ainda após a Primeira Guerra Mundial, quando muitos negros foram enviados para lutar pelo seu país. Violências raciais e sociais são apresentadas de maneira crua e nada românticas.
As mulheres da trama são muito bem representadas por Mary J. Blige e Carey Mulligan que são mulheres fortes e percebemos a importância e a mudança dessas mulheres durante o desenrolar da história. Mary J. Blige merece maior destaque aqui, uma vez que nunca imaginei ver a cantora maravilhosa atuando de um jeito tão incrível. Dona de uma voz lindíssima e presença de palco incríveis, Mary se mostrou uma atriz de mão cheia. Deixo meus parabéns e espero por muitos filmes dessa qualidade.
Mudbound: Lágrimas sobre o Mississipi (7,5 no IMDb) recebeu indicações ao Oscar de melhor atriz coadjuvante, com Mary J. Blige para quem não se lembra de Mary , melhor roteiro adaptado e melhor canção. Além da indicação ao prêmio de melhor fotografia para Rachel Morrison, que é a primeira mulher a ser indicada à categoria (estamos em 2018 mesmo?).
O filme ainda está nos cinemas e mesmo depois de assistir Pantera Negra, sentindo-me extremamente representada, vale assistir Mudbound: Lágrimas sobre o Mississipi. São filmes bem diferentes, com temáticas diferentes, porém falam sobre questões cotidianas e que não podem deixar de ser discutidas.
Mais de duas horas preciosas. Assistam.